- Como obséquio de minha escravidão por amor -

27 de novembro de 2015

Vida da Virgem no Templo

A glória sem véu



Porém, aos olhos do Pai Celeste, ela refulge
     em todo o seu brilho
970
e inunda de resplendores as moradas etéreas.
Quando mais te envileces, tanto mais te sublimas
ao conspeto daquele que deseja para leito
     o teu materno seio.
Em breve ele te descobrirá
     nesse ínfimo posto.
E Ele fará soar aos teus ouvidos
     este doce convite:
975
"Eia, sobe mais acima amada minha!"
vem assentar-te no primeiro posto,
     que tanto mereceste!
Núncia de tanta felicidade, há de chegar
essa hora, a ti feliz, a nós auspiciosa.
No momento em que menos o julgares,
     Virgem humílima,
980
virá dizer-te o "Ave" de mãe excelsa de Deus.
     eia pois, vive por nós!
pois tu nos hás de dar a vida e a luz:
vive, que está próximo este dia feliz!
E a mim, o mais pobrezinho de teus servos,
     orna-me com tua humildade,
sem a qual, nem a ti nem ao Senhor agradarei.
Este virtude me há de adornar o coração
     e há de preparar nele,
     para o menino, um berço
e, para a mãe, morada hospitaleira!
     Oh! Quem me dera ser digno
de um olhar dos olhos meigos da Senhora
e ser, muito embora, o último entre seus servos!

17 de novembro de 2015

Vida da Virgem no Templo

A glória da humildade



935
     Mas, que sonho eu, estulto?...
tu desdenhas o fausto e do coração amante fazes
     o escrínio da humildade.
Gozas em ser a menor, em obedecer a todas:
fora disso, nada no mundo é grande, em teu conceito.
Sabes que Deus derriba os soberbos de seus tronos
940
e aos humildes exalta do monturo.
Ainda que nada ignores, sofres que te ensinem
obedecer, ser desprezada, ser corrigida
     eis a tua felicidade.
Por isso, sepultas no fundo do peito
teus régios segredos e disfarças
o ardor divino que se expande no teu rosto.
945
mas não o consegues, pois dificilmente
     se encobre o fogo:
a luz da labareda transpira pelas frestas
É divino e resplendor que brilha em tuas faces:
     tuas palavras o calam,
tuas obras o proclamam às companheiras.
     Elas em seus colóquios
950
afirmam que és santa e feliz mais que todas.
Cravando em teus olhos os seus cheios de afeto,
que manso espelho de bondade fitam!
     conversar-te é um prazer,
um prazer contemplar o teu semblante:
chamam-te sua rainha e sua maior glória!
955
Tu, entretanto, julgas-te indigna de tanta honra
e até ao excesso te envileces a teus olhos.
     De dia para dia,
vais adornando de novas virtudes tua alma,
o verdadeiro templo e tabernáculo de Deus.
Modelo de castidade e níveo pudor
960
é o teu corpo, do qual há de brotar
o nobre corpo, unido à divindade.
Apesar desta torrente transbordante
     que te inunda a alma,
vives persuadida de que teu coração é um vazio!
Sendo, por graça, a mais sublime das criaturas,
julgas que, de justiça, só o último lugar te cabe.
965
É tanta a graça que estua a tua alma,
e tão bem te cerras ao fundo do peito as labaredas!
Ou é o véu da soberba que nos vela os sentidos
e nos torna cegos diante de sol tão fúlgido!

16 de novembro de 2015

Vida da Virgem no Templo

A atração do bem



Mau grado meu, sinto que uma força me arrasta
910
a contemplar os deslumbrantes clarões de tua vida.
Quando raia a manhã trazendo a pós si o novo dia
oh! como deixas o amplexo e os ósculos divinos!
     De novo tua mão
corre ao duro trabalho, pressurosa,
e os dedos arrebatam o fuso sequiosos
915
Rodeiam-te as outras virgens, tuas irmãs,
     a tecer também seus fios,
ávida cada qual de vencer sua meada.
Põe os olhos em ti de admiradas,
     ao ver sem inveja
que a destreza de tuas mãos a todas excede.
     Mas, não te deixas vencer:
920
Em tua sublime modéstia vais buscar
     o último lugar.
Prestar humildes serviços às donzelas consagradas
eis a tua preocupação,
a tua tua glória mais ambicionada.
Tu lhes limpas com humildade as vestes
estendes as camas e, serva obsequiosa,
     guisas os manjares:
925
Varres alegre a casa e lavas a louça:
     lanças a tua conta
quanto de abjeto há de fazer no santuário:
     se a doença feres a alguma,
tornaste medicina, palavra confortadora,
doce obséquio, auxílio pronto a tudo.
Mas, die-me, que ideal te inflama, ó Virgem,
930
nesse ofício tão baixo, nesse ofício de escrava?
Talvez ignoras que um dia, soberana do céu,
hás de ter aos pés todo o universo?
     Deixa aos servos o servir:
a seda, a púrpura, o império, o trono, o cetro, a coroa
     eis o teu apanágio!

6 de novembro de 2015

Vida da Virgem no Templo

O deslumbramento do poeta



     Projetara percorrer
os numerosos passos da tua existência
para traçar por ela caminho reto à minha:
885
     mas, eis-e distanciado
pelo número e valor de tuas virtudes:
o meu espírito, cheio de avidez, desfalece,
ante perfeições tão sublimes, esgotado!
Ainda que muitas princesas reúnam
     suas prendas inúmeras,
seu domínios e bens de toda espécie,
tu ergues sobre todas a fronte de rainha:
890
nem todas em globo são capazes de atingir
     a grandeza de teus tesouros.
São inúmeros os latifúndios de teu coração:
recebeu inumeráveis e contínuas riquezas
     e não se abarrotam.
Teu corpo imaculado está cingido
     de casta robustez:
tua face é espelho a refletir as leis do céu.
895
     Bem é que assim refulja
quem de Deus há de ser altar e templo,
a quem nem a terra, nem o mar, nem o espaço
     podem abarcar.
     Ah! Senhora, eu pasmo
ante tua grandeza fulminado:
tu, futura mãe daquele que é teu eterno Pai!
Tua glória se levanta a tais alturas, que, vencido,
900
me faz morrer nos lábios o teu canto.
Atado a teu colar, preso nos grilhões desse amor,
a mim basta-me jazer eternamente a teus pés.
Já que, depois de muito esperar por mim,
me arrebataste, na luz do teu olhar bondoso,
     para o templo de Deus,
905
e quiseste ajuntar-me aos companheiros
     de meu Senhor Jesus,
e sofres que viva em tua santa morada:
aqui, aqui p'ra sempre me acalente tua bondade,
e teu braço me afaste da ruína
     com o laço tríplice dos votos.


19 de outubro de 2015

Vida da Virgem no Templo

A luz da terra



Ó Virgem vigilante, glória de teu sexo
clarão eterno mais formoso que o disco do sol!
     Já que o Amado te inunda
870
a mente de luz e o coração de gozo,
oh! volve a nós os teus modestos olhos!
Fere com um raio desse olhar os nossos olhos
     lânguidos de sono,
e unge-os com o teu divino bálsamo.
Assim poderei contemplar-te, quando,
     na calada da noite,
     gozas do teu Amado,
e inflamar-se à vista d'Ele o meu amor.
875
Que eu não me acolha ao silêncio do lar,
que o conchego do leito não me receba os membros,
     que eu não conceda aos olhos
o prêmio placidíssimo do sono,
que descanso nenhum me venha afagar
     as pálpebras cansadas:
antes de procurar primeiro um abrigo a meu Deus,
880
antes de dar um leito a Jesus em meu peito!
Ó Virgem, quanto são queridas do Senhor
     as moradas do teu seio!
     Quanto lhe agrada
tua vida e tua formosura sem igual!

18 de setembro de 2015

Vida da Virgem no Templo

A lâmpada do Céu



835
Jamais entregas os membros virginais
     à languidez do ócio:
     jamais te embaciou a mente
a baixa preocupação do alimento.
É do Paraíso que o Criador do universo te envia
as sagradas iguarias de que vives.
Um coro de anjos, destinado ao teu serviço
840
voeja da terra ao céu, indo e vindo pressuroso.
Pressagiando talvez em ti a Mãe do seu Deus,
     prostra-se reverente,
como à presença de sua soberana.
     Pelas trevas da noite
não se apaga jamais a tua lâmpada:
     em tua câmara, à noite
torna-se mais clara que o próprio meio-dia.
845
Apenas o sono, leve qual tênue brisa,
te afogou um poucochinho os olhos,
no silêncio da noite, ergueste do pobre leito,
e procuras, no doce remanso do coração,
o Doce Amante que tua alma adora.
Tu o procuras, tu o encontras, tu o abraças
     sequiosamente:
850
com delícias repousas em seu regaço amado!
É dessa fonte de vida que tu sorves
as torrentes magníficas da luz e do prazer divinos.
É desse cofre que ele te revela
     o segredo de seus desígnios,
enquanto te inunda o coração de alegria.
855
     Ele por sua vez vagueia
entre os lírios recendentes de teu peito
e repousa docemente entre odoríficas rosas.
Se muito o estimas a ele, muito mais ele a ti:
nessa luta de amor, o infinito vence.
Cheia de amoroso vigor, o enlaças em seus braços:
860
     preso nessas cadeias
já de ti se não pode apartar.
Jamais permitiste que o teu amado
tivesse que bater às portas cerradas de tua alma:
noite e dia lhe está de par em par aberto
     o coração.
Sem cessar vigia tua alma, sem que a vergue
     o peso do sono,
ainda que as pálpebras carregadas te prostrem
     o delicado corpo.
A lâmpada da mente
nutrida com o óleo celeste, bruxuleia
sem jamais apagar a luz do teu olhar.

28 de julho de 2015

Vida da Virgem no Templo

A serva do Santuário



815
Serva humilde e súplice do Senhor supremo,
tu estendes as mãos imaculadas
     aos dons do seu amor.
Com os dedinhos mimosos ora fias a lã de neve,
ora alivias a roca transbordante
     de macio linho.
Já com fino pente cardas os fios de seda,
820
já com delicada agulha bordas lindos mantos.
Agora entreteces de fios de ouro
véus, cortinas, toalhas e túnicas purpúreas;
ou entreteces rendas de in´meros desenhos,
sorvendo as maravilhas às meadas de linho;
825
agora coloras estofos de linho branco,
tingindo-os duas vezes em grã;
ora tornas da cor do céu tecidos açafroados,
ora guarneces as mitras de guizos pendentes,
rubis rutilantes, sardônicas de fogo.
Deles se cobrem o tabernáculo e o altar santo
830
e as vestes do sacerdote quando sacrifica.
     Tua mão industriosa
reveste de brilho o culto do sagrado templo,
sem se deixar abater jamais pelo cansaço.
É também essa mão. ó Virgem amabilíssima,
que se estende sempre e compassiva ao pobre.

10 de junho de 2015

Entrada da Virgem no Templo

O seu candor



     Conta-me, Virgem, eu te rogo,
uma partícula insignificante ao menos
     do que fazes no Templo.
Si alguém por ventura decantar quisesse
     tuas virtudes todas,
ou somente passá-las pela fantasia,
805
havia de enlouquecer, por certo, sem palavras:
mas depressa contaria as areias dos mares,
as ervas dos campos, as gotas da chuva,
as estrelas do firmamento, os ramos da floresta,
     do que tuas heroicas virtudes.
     Ó templo feliz,
mais formoso do que o Templo que te abriga!
810
de teu peito em chamas se evola um perfume perene.
Se não sei cantar teus primeiros anos,
     dá-me a graça, ao menos,
     de senti-los, de amá-los!
Esse amor que pintará muitas vezes
     teu encantador aspeto
e me fará viver a teu lado, de contínuo.

4 de junho de 2015

Entrada da Virgem no Templo

A sua corte



775
Saí, filhas de Israel, oriundas de ilustre sangue,
criadas sob as muralhas de Davi!
Deixai o claustro escondido do Santuário
e correi para o átrio da porta dourada:
contemplai com olhar atento a vossa rainha:
780
Um rubor celestial eis que lhe adorna
     as candorosas faces.
O disco rutilante do sol, o rosto luminosos da lua
contemplam extasiados sua divina beleza.
A essa Virgem feliz saúdam os astros da manhã:
nela se regozijam as maravilhas de Deus.
785
Ela será o terso espelho de perpétua castidade,
que agora guardais a Deus por alguns anos.
Concentrai a atenção neste modelo só,
     nele só fixai o olhar:
ele reja vossas mãos, ele guie vossos pés.
Esta é a mulher forte, aquela pérola
790
que é preciso buscar aos confins do universo.
Deus onipotente, com ela deparando
     depois de muitos séculos,
há de uni-la a si pelos laços do sangue e do amor.
Pois ela, em castidade imaculada,
será a formosa esposa do eteno Pai
     e a intacta mãe do Filho.
795
Nas forças dela seu Esposo confia:
     os arraiais inimigos
hão de fugir em debandada a sua vista.
Quando vitoriosa tiver prostrado o inferno,
     vitorioso tantos séculos,
levará em triunfo os despojos para os céus.
Nenhum dardo inimigo virá ferir-lhe o peito:
800
     seu caminho será
a trajetória brilhante das virtudes.

2 de junho de 2015

Entrada da Virgem no Templo

A pequena rainha



Sozinha, sobe pois, ó pequenina Virgem,
     os quinze degraus do Templo,
já não precisas do paterno arrimo.
     Tuas perninhas resistentes
vencem já estas colunas de mármore:
sobre elas assentará a construção do grande Templo!
765
Que imensa glória irradia de teus passos,
ó filha de reis; quão diversos foram os de Eva!
Esta, passeando pelo paraíso o olhar irrefletido,
atrevida, meteu os pés pelo caminho fatal,
e colheu da árvore proibida o fruto da morte,
770
que abateu sem piedade a raça humana.
Tu, porém, que hás de sorver nos modestos olhos
     toda a luz divina,
buscas humilde o Templo, por senda venturosa.
Árvore ubertosa, tu nos darás o fruto vivificante,
donde para o mundo há de jorrar
a salvação e a verdadeira vida.

30 de maio de 2015

Lamentação aos pés da Virgem

A doce melodia



735
     Ergo-me, então:
A alma amarrotada pelo peso de meus crimes,
o antigo torpor a lavrar ainda
     no corpo entumecido.
Apenas teu olhar me atingiu, Virgem amável,
     o rubor cobriu-me a face,
a cabeça pendeu-me para o chão.
Meus olhos nada mais viram, as lágrimas não jorravam:
740
As pálpebras apertadas seguravam os olhos cheios.
     À tua vista, ó Imaculada,
fugiram-me dos lábios as palavras:
o medo enregelou-me a língua entorpecida.
A mente estremecia, cônscia de sua torpeza:
meus crimes numerosos fulminaram-me.
745
     Os ouvidos somente
sorviam as tuas divinas palavras,
ansiosos de aprender em teus lábios
     uma expressão de carinho.
     E eis que de teus lábios,
se não me enganou louca ilusão,
destacou-se uma voz que eu conhecia:
     "Ergue-te, vem comigo
para o templo do Onipotente,
750
tu aqui meu servo serás perpetuamente!"
     Ouvi, e me voltou a vida,
e a língua me soltou e exclamei:
"Eia, Virgem bendita, sigo-te daqui por diante
     por onde quer que fores!"
     A morte, o ódio eterno,
a repulsa da divina face, a pena que não morre,
eis aí o que meus crimes mereciam.
755
Mas, se ao indigno restituis com a vida
     o teu doce amor,
esta será para mim a melhor glória
     de teu carinho de mãe!"
Assim falei: vi-te sorrir ao meu pedido
     favoravelmente...
nova esperança penetrou-me a alma.
Apossou-se de meu coração a santa audácia
     de imitar tua vida,
760
de te seguir por toda a parte e por toda a vida,
     de longe ao menos!

29 de maio de 2015

Lamentação aos pés da Virgem

A última esperança



Ao soltar estes gemidos, quando minha alma,
resolvida já a voltar ao seu Esposo,
     chorava a sua desgraça,
o torpe amante me instigava ao prazer
720
e a soltar as rédeas à devassidão:
"Nenhum prazer às de encontrar em morrer!
enquanto é tempo deixa-se ir docemente
     ao léu da corrente!"
Inclinava-me um pouco, e para logo
     a paixão me arrastava,
e, vencido, aos costumados grilhões
     os punhos me ligava.
725
Imersa no tenebroso báratro dos vícios
minha lama sentia-se feliz nos seus delitos.
     E quanto a morte veio,
e nenhuma esperança de salvação eu tinha,
     quando asquerosa
reclamou o leito que lhe pertencia,
     de repente
não sei que suave murmúrio de mansa brisa
730
soprou-me aos ouvidos do coração estas palavras:
"Oh! Quanto tempo te hás de revolver
assim enlodaçado neste charco?
Ergue-te, vem prostrar-se aos castos pés da Virgem!
     Se assim imundo
Ela te acolher com semblante amável,
não temas, pois ela lavará as tuas manchas."

28 de maio de 2015

Lamentação aos pés da Virgem

Sobre as ruínas da virgindade (II)



Tu, infiel, violaste o juramento
com que selaras a tua pureza
     o amor espezinhado chora,
a fidelidade se desfaz de dor.
     Desagradou-te o Esposo,
abraçaste um hediondo adúltero.
A morada hospitaleira do Senhor tornou-se
     o covil de um ladrão!
Desprezaste o Rei para lançar-te aos braços
     do tirano infernal:
680
trocaste por uma amo infame um Pai glorioso.
Afastas o amigo sincero, que te adora:
rendes-te ao pérfido inimigo, que te odeia.
E, por que não choras tu, ó desgraçada,
por teres ofendido a este Pai bondoso
que devera ser o único amor de tua alma?
685
Por que, ó celerada, não gemes de dor,
por teres desprezado o Onipotente,
a quem deveras tributar a devida glória?
Por que não te dóis, ó infiel esposa,
de teres violado a promessa ao casto Esposo,
de teres maculado o leito virginal?
Desonraste no leito imundo o bordel
     a glória da aliança,
690
longe do casto Esposo, ao peito do cruel carrasco!
Mísera, que delírio te fascinou?
Que perversa volutuosidade te arrastou?
Que paixão te submergiu, ó tresloucada?
Veemente sorvedouro de águas imundas
     te arrebatou, infeliz!
aos mais profundos pântanos da lama.
695
Jazes como oculta ao Rei dos céus altíssimos:
não tens o celestial amor de teu Esposo!
Emaranhada na teia de teus próprios vícios
o torpe amante te embala ao asqueroso peito.
     Ó naufrágio imenso,
que nenhum esforço poderá salvar!
700
Ó tesouros perdidos para sempre!
     Ó veste imaculada,
não voltarás à candura de outrora!
Ó glória, não alcançarás jamais o brilho antigo.
Ó santa virgindade, tão grata ao Belo Esposo,
que desgraça, que fera tempestade te esfolhou?
705
De ti, agora, resta-me uma imagem longínqua:
     uma vez abandonada,
retiras-te infelizmente para não mais voltar!
Roto meu, oh! Torna-te macilento!
Olhos meus, chorai tamanha ruína!
Que o pranto vertido conspurque as faces prazenteiras!
Lágrimas, gemidos, prantos, lamentos
710
de dor, de terror, de pavor, de horror
     caí sobre mim!
     Sepultai esta alma
nos abismos cruéis do sofrimento
e mergulhai-a na melancolia
     até o fundo do inferno!
     "Ó Pai celeste,
ou tu me escondes nas trevas sempiternas,
para não mais ofenderem meus crimes
     a teus puros olhos,
715
ou tu me esmagas a carne rebelde
     na mó da contrição
e minha vida se torne a de um digno filho teu!"

13 de maio de 2015

Lamentação aos pés da Virgem

Sobre as ruínas da virgindade (I)


Infeliz de mim! Fugiste ligeira dos meus olhos,
porque a longa demora me retardara os passos.
636
Eis que o feroz inimigo me lança brandos dardos
e consegue do peito arrancar-me a couraça.
Arrombando os portais mal vigiados,
     saltando as trincheiras
arrebentou-me os tesouros da alma e do corpo.
     Já tarde, muito tarde
entrei a contemplar minhas tristes ruínas:
640
"Ai! Foi-se, exclamei, a flor da virgindade!"
Lançando contra o peito os dois punhos cerrados,
chorei a negra ruína com estes tristes gemidos:
     "Ai de mim! Minha trincheira...
Quem a derrocou tão irreparavelmente?
Que malvado me forçou as portas cerradas da alma?
646
Que fera tão cruel, ó minha herdade bela, 
     te derribou a sebe?
Que monstro destruiu tua muralha?
Agora, sem muros, és presa de qualquer ladrão,
     és covil aberto
a quantas feras a ti se acolherem...
Por que, supremo Pai, me trouxeste à luz do mundo?
650
Por que me lançaste do materno seio
     ao chão duro da terra?
Oxalá minha vida se tivesse desfeito
     ao despontar a existência,
e teus olhos não me vissem neste estado horrendo!
Oxalá me achasse morte e fosse a última da vida
a hora que houvesse de contemplar
     a ruína da pureza.
655
Mais suave seria sucumbir cruelmente
e ir sofrer todas as penas do inferno horrendo,
ó Pai amantíssimo, imensa bondade,
poder infinito, chama do eterno amor,
do que ultrajar a tua majestade
     com minhas obras nefandas,
660
e executar meus crimes hediondos
     diante de teus olhos.
Ó alma infeliz, disforme, adultera, asquerosa,
torpe e agrilhoada a um corpo imundo,
expulsa o torpor, rasga o canceroso peito,
revolve até o fundo a chaga de teus crimes!
665
     Quem, ai! desgraçada
te roubou a formusura da divina imagem?
Quem te maculou de imunda lama as faces?
Acaso és tua mesma, a quem outrora
lavou a límpida torrente do batismo,
e te fez do peito um cristal de neve?
670
Tu, a que o Espírito de Deus purificou
     no seu cadinho,
para dourá-la em labareda de ouro fino?
Foi a ti que o celestial Esposo
uniu a si em aliança indissolúvel,
ao te lavar os crimes em suas águas férteis?
A fidelidade, ó alma, onde a deixaste?
Onde perdeste o anel da aliança?
e o amor, aquele amor, que juraste honrar eternamente,
     onde o manchaste?

8 de maio de 2015

A perda da virgindade

Lamentação aos pés da Virgem

O belo encontro


     Apenas teu semblante
assoma no limiar do lar paterno,
todas as cercanias da cidade rescendem
     do mais suave aroma.
Senti este perfume, talvez julguei senti-lo:
o certo é que me pus a correr
620
seguindo o caminho por onde os pés me arrastavam.
Perguntei a mim mesmo: "Alma que fazes?
vamos, apressa-te, talvez ainda chegues
a contemplar o seu semblante virginal".
Saio como centelha em corrida vertiginosa,
     quando, de repente, ó Virgem,
te avisto ante os degraus sagrados do templo.
625
     Vê-la foi tombar trespassado
     por um dardo de amor!
Como tua beleza me seduziu os olhos!
O amor da encantadora virgindade
explodiu-me no mais íntimo do peito,
     em densas labaredas.
Resolvi vestir de aço a cândida pureza,
630
cercá-la de trincheiras eternamente trancadas
     com férreas traves,
e abrasar-me, ó Virgem, recalcando tuas pegadas
no itinerário feliz de tua vida...

29 de abril de 2015

Apresentação da Virgem Maria

Sacrifício Belo


Vem pois, ó Virgenzinha, venturosa oferta!
abram-se a teus passos os pórticos do Templo.
595
Adianta-te, ó rainha: deixa o lar paterno!
Suspira por ti o palácio de teu Pai celeste.
Deixa o doce aconchego do materno colo,
     pois serás em breve
a imaculada mãe do teu Senhor.
Despreza já os infantis folguedos
     ó divina princesa:
600
tua mente amadurou antes do tempo.
Anseia pelo teu amor o sumo rei dos céus,
perdido pelo fulgor de tua formosura.
     Ele te completa os anos
com os dotes de inteligência e coração
e deseja te tornar arca de seu arcano.
605
     Rompe os laços
à campainha saudosa que te cerca!
     Virgem de três anos,
começa já a obra divina dos séculos!
Ah! Eis que chegas, estrela fulgurante:
     exércitos do céu,
acorrei a atapetar-lhe os caminhos
com as flores variegadas da inocência!
Eis que chegas, rainha escolhida entre milhares.
610
Como o sol em seus carros rutilantes
atravessa a avenida triunfal dos astros.
Eis que chegas com a face deslumbrante de fulgor,
como a luz de neve depois que encheu seu disco.
Enfim, como novel esposa de Deus onipotente,
     caminhas para o Templo,
pisando com os pezinhos delicados
     veredas desacostumadas.
615
Com a mão entrelaçada à mão de tua mãe,
     ó pequena Virgem,
com passos desiguais igualas fervorosa,
     o andar de teu pai.

10 de março de 2015

Apresentação da Virgem Maria

Sacrifício Precioso


Do Senhor recebeu Maria, ao Senhor
     vem hoje restituí-la:
com tal oferta, o templo aumenta em majestade,
     Ela vence em perfume
as tenras espigas do nardo desabrochado,
o gálbano, o incenso, a mirra e o bálsamo.
585
Ela dará ao mundo o cordeiro inocente
     que expungirá nossos crimes,
vítima que remirá todos os réus
     com um só sacrifício.
Logo que ele sucumbir sob o cutelo cruel
cessará a matança das vítimas bovinas.
Ele apagará nossas antigas manchas,
590
lavando-as em seu sangue
mais cristalino que a cristalina fonte.
Uma só vez será imolado este cordeiro manso
e da sagrada ara seu sangue eternamente
jorrará sobre toda a humanidade.

3 de março de 2015

Apresentação da Virgem Maria

Sacrifício Novo


555
Como um fio de branca fumaça rescendente,
     a Virgem se apresenta,
e o grato perfume se eleve até ao alto dos céus.
Abre, ó ostiário, a grande porta do sagrado templo,
fá-la girar em seus dourados gonzos.
Corre a cortina do santuário, ó sumo sacerdote,
560
para que sobre a chama Joaquim e Ana
     deitem o seu incenso
prostrados ante o altar divino, adorem,
entre os odores do piedoso sacrifício,
a majestade suprema do Senhor.
Possuidores deste incenso novo, não mancharão,
com sangue de touros, os átrios sacrossantos:
não queimarão na pira ensanguentadas postas.
565
Não aplacarão a Deus com sangue de cabritos,
nem tombará, ante as portas de bronze, a cordeirinha.
Inda que o Onipotente creou e rege com seu braço
as bestas que vagueiam pelos montes,
os hercúleos bois que pastam nas campinas
     e as feras bravias
570
protegidas pela sombra espessa das florestas,
     os pássaros do céu
e os rebanhos que se vestem de lã,
     os cereais floridos
e o prados atapetados de flores mimosas:
     Nenhuma destas vítimas
poderá aplacar o céu irado,
nem o santo ancião prepara tais sacrifícios.
575
Mas dignos louvores lhe brotarão do íntimo do peito,
cumprindo o voto que ao Senhor fizera,
quando arrastava amargurada existência,
     sem o prazer de um filho,
e com o opróbrio de um amaldiçoado.
Mas hoje, feliz, seu felicíssimo penhor
     eis que vem depositar:
580
rico de riquíssimo tesouro ele vem
     apresentá-lo ao altar.

27 de fevereiro de 2015

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

Adeus ao berço


Recebe, ó bela Virgenzinha, os versos
     que em teu berço depõe
este pobre mendigo, este enjeitado.
545
Para teu nascimento, meu amor tecera
mais numerosas grinaldas de lírios e rosas.
Porém, reservando-as para quando fores Mãe,
para quendo em teu regaço dormir o próprio Deus.
     Entretanto, irás sorvendo
da fonte nívea do materno peito,
550
e acostumando às papinhas os dentes que despertam.
Assim crescerás até que fores conduzida
     ao templo do Senhor:
grande honra, nobre encargo, excelsa glória!
sustenta-me a mim também em tua graça
afim de que em meu peito se avolume
     a fornalha de amor tão belo!

21 de fevereiro de 2015

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"Último convite"


Aproximai-vos quantos caminhais gemendo
     sob o peso do pecado,
530
     que vos verga ao abismo.
Esta pequenina dará a luz ao Redentor
que arrojará dos ombros a carga insuportável.
Achegai-vos, meninos! Achegai-vos, ó jovens!
Um presentinho, ó homens! Um mimo, ó anciãos!
535
Correi quantos através das sendas difíceis
     procurais atingir
o píncaro nevado da pureza.
     Ela vos mostrará
o caminho bem trilhado da virgindade,
que nos conduz suavemente
     ao monte da eterna brancura.
Ó Senhora, ó Virgem, faixa de luzente pureza!
540
Os que tu amarras ninguém os pode desatar:
aperta-me o peito com o laço da castidade
e cinge-me os rins com as tuas cadeias!

19 de fevereiro de 2015

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"O doce ofício de mãe"


Ó peso venturoso e sem moléstia alguma,
que repousa, mãe ditosa, nos teus braços!
Este fardo não te pesou no seio
nem tristeza ou dor sentiste ao dá-lo ao mundo.
515
     E com razão:
a que vinha desterrar do mundo as dores
     não podia causar-te
o menor dano, a mínima tristeza.
     Ao feliz a felicidade!
a uma conceição sem mácula, um nascimento sem dor.
Envolver-lhe amorosamente os dedos delicados,
520
apertá-los com ternura nos teus braços,
beijar-lhe longamente essas maçãs rosadas,
aquentar-lhe os labiozinhos em teus lábios de mãe,
meter-lhe na boca deleitosamente
     o botão florido do peito,
matando-lhe a fome e matando-lhe a sede,
525
acalentá-la ao som de improvisada nênia,
enquanto o filete de neve lhe escorre pelos lábios:
     tudo isto é uma doçura,
     a doçura desta filha,
que a teu peito possui mais que tu mesma.

28 de janeiro de 2015

Nascimento da Bem Aventurada Virgem Maria

"A festa do nascimento"


Exultai, ó céus! Jubilai, ó colinas eternas!
sussurrai, ó campos esmaltados de estrelas!
Apressai-vos, ó coros angélicos,
ministros do Onipotente, oh! Apressai-vos!
500
pela escada que vai da terra ao céu
oh! descei e subi sem descansar.
     Com alegres festas
celebrai a pequena recém-nata, ó virgens,
forrando de cantares o berço imaculado.
Ela vem para reparar vossas antigas ruínas,
preenchendo com glória os tronos desocupados.
505
Derramai-lhe perfumes no bercinho
e bordai-lhe o fofo leito de rosas purpurinas.
Distilai-lhe nos tenros membros preciosas essências
e estrelai-lhe de pérolas a fronte de rainha.
Recamais de flores belas o regaço de Ana,
510
em que se embala a Virgem,
     docemente adormecida.